As experiencias sociais e religiosas da região do Contestado nos permitem entender a presença dos sujeitos, a ocupação do território e a relação destes elementos com a vida cotidiana dos caboclos no espaço compartilhado que se formou. Sob a égide das leis pregadas pelos monges João e José Maria, as cidades santas demonstram possuir diversos elementos que são responsáveis por auxiliar na compreensão do movimento social sertanejo do início do século XX.
Ao analisar a história do conflito a partir da formação das vilas santas, é possível alicerçar alguns motivos que levaram os caboclos a reunirem-se. Dessa forma, o objetivo desse texto é pontuar quais elementos dessas cidades são elencados no texto escrito por Delmir Valentini (2022) como características gerais, comuns a todas as cidades santas.
Primeiramente, destacam-se a formação dos quadros santos. Como uniformidade dos redutos, os caboclos reuniam-se na praça central, normalmente próximos a igreja, a fim de formar uma estrutura em formato quadrado, demarcada por bandeiras e cruzes. Essa abordagem era necessária para organizar a forma como eram feitas as orações, passadas as ordens e divididas as tarefas. Nesse Há uma forte hierarquia religiosa. Além disso, cabe ressaltar a importância das virgens, como Maria Rosa, que no fim também assume plenos poderes como líder de briga, estando a frente de Caraguatá e Bom Sossego.
Como característica central dessas formações populacionais era a escolha dos vales. Nesses locais de difícil acesso os caboclos se organizavam de maneira isolada, dificultando o acesso para ataques de militares. A estratégia do general Setembrino de Carvalho, durante o ano de 1915, através do cercamento, coloca os caboclos em situação de fragilidade frente ao que antes era uma qualidade. Ao dificultar o acesso de bens de consumo, a fome e a moléstia tornam-se questão chave para sufocar cada vez mais os sujeitos marginalizados do Contestado.
Apesar de tudo, a cidade santa apresentava-se como uma proposta de encontrar uma terra sagrada, sem males, de vida compartilhada, onde todos eram iguais. Os interesses que surgiram naquele período, baseados na exploração dos sujeitos e na violência do Estado contra os mais pobres, identificaram nessa busca por liberdade uma forma de afronta, vestida pelos poderosos como fanatismo. Portanto, ao enfrentar as forças oficiais, os caboclos significaram algo que deveria ser destruído aos olhos dos mais ricos, uma força coletiva que deveria extinguida a qualquer custo.
Quadro "Reduto" de Dea Reichmann. A artista reinterpreta como era a organização das casas nas cidades santas. Veja que as cruzes na parte central demarcam o que seria o "Quadro Santo". (Fonte: UnC)
Os quadrinhos sempre refletiram os dilemas e as lutas
sociais da época em que foram constituídos. Desde os primeiros dias das
histórias em quadrinhos até a atualidade, essas narrativas coloridas têm sido
um espelho para diversos eventos históricos ocorridos na sociedade
contemporânea.
Nos anos 1960 e 1970, uma era marcada pelo fervor do
movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, surgiram personagens como
Luke Cage e a série "X-Men", ambos refletindo as lutas e os desafios
enfrentados pelas minorias. Luke Cage, o herói de aluguel, representava a
ascensão dos negros em uma sociedade que tentava mantê-los à margem. Já os
mutantes da série "X-Men" eram uma metáfora poderosa para as
experiências daqueles marginalizados por causa de sua diferença, uma analogia
clara à luta contra o racismo e a discriminação.
Além dos diversos debates e avanços produzidos durante as décadas
de 1960 e 1980, foi nos anos 1990, com o surgimento da Milestone Media, que se proporcionou
um maior debate dentro do mundo corporativo dos quadrinhos ocidentais. Fundada
por Dwayne McDuffie, um roteirista negro, A editora tinha como proposito dar
voz e espaço para artistas de minorias étnicas. A Milestone foi um ponto de
diversidade em um mar de homogeneidade do mercado estadunidense dos quadrinhos.
Seus personagens, como "Hardware", "Icon" e o icônico
"Super Choque", não apenas representavam uma multiplicidade de
origens étnicas, mas também abordavam questões sociais urgentes, como racismo e
violência urbana.
McDuffie no final dos anos 1980 (Fonte: Wikipédia).
Super-choque é um dos personagens de maior sucesso da
Millestone Media. A série produzida pela Warner em 2003 traz não somente um
jovem periférico como personagem principal, mas suscita debates relacionados ao
porte de armas, violência, bullying, racismo, etc. Muito embora o recorte de
análise aqui proposto seja o das histórias em quadrinhos dos EUA, cabe
ressaltar que a geração millenials no Brasil cresceu assistindo não só super
choque, como Liga da Justiça, série a qual Dwayne McDuffie fez parte. Nesse
sentido, é importante entender as HQs como um reflexo da cultura, os quais
foram problematizados diversas vezes e contribuem para tornar a obra mais
contemporânea do que nunca.
Super-Choque (Fonte: O Hoje).
O trabalho de McDuffie torna-se um caminho para compreender
como as HQs não são apenas entretenimento, mas uma forma de trazer debates
políticos e sociais relacionados a representatividade, resistência, lutas de
classes e a opressão colonial. A representação de personagens negros nos
quadrinhos é a ponta do iceberg de toda uma indústria, que muitas vezes usa
dessas pautas com o intuito de obtenção de lucro e exploração do trabalho de
roteiristas, desenhistas e demais profissionais que produzem as histórias
veiculadas por grandes corporações.
Viver na região do Contestado e respirar a História do conflito é um modo de entender como no tempo presente o movimento sertanejo não desapareceu. Diante dessa constatação, deve-se compreender que a Guerra ocorrida durante o período republicano, precisamente entre 1912 e 1916 nada mais é do que um movimento de resistência que reverberou de uma cultura cabocla do compartilhamento e doação mutua entre as pessoas. Por isso, diversas ocasiões nessa região demonstram o papel popular e caboclo que possui o movimento sertanejo do Contestado. E mais: é possível ainda perceber as reverberações das vivências da religiosidade cabocla nos rincões mais afastados desses locais. O acampamento caboclo na acolhedora Timbó Grande/SC, cidade de pouco mais de 7 mil habitantes (segundo dados do governo do Estado de Santa Catarina) é um desses momentos. A cidade é próxima ao conhecido "Vale da Morte", local onde ficava o reduto de Santa Maria, palco de uma das mais violentas chacinas praticadas pelo governo brasileiro durante o conflito, que causou a destruição de cerca de 5000 casas. O emblemático vale é o ponto de partida das atividades do evento, com a caminhada Jorge Mattoso. foram 10 km de caminhada por morros, caminhos fechados pela mata e pelo alto do Vale, que permitia obter uma bela vista da cidade de Timbó Grande.
Vista do "Vale da Morte", local onde ficava o reduto de Santa Maria. (Acervo do autor, outubro de 2021).
Vista do morro da Antena, a cidade de Timbó Grande/SC está ao fundo. (Acervo do autor, outubro de 2021).
A sensação de vivenciar a Guerra do Contestado e seus sítios Históricos é indescritível. Olhar para um local e imaginar tudo que aconteceu e perceber como isso impactou naquele local é instigante e intrigante. Além de todo processo de ver e sentir o fato Histórico, a reverberação cultural era presente. Comidas caboclas, acolhimento coletivo e respeito entre todos os indivíduos são a marca registrada do evento, que não cobrou nenhum centavo por toda comida compartilhada.
O acampamento se aglutina no rancho do Cafu, cerca de 5 km do centro da cidade de Timbó Grande. Lá, foram realizadas apresentações culturais, jantar e café caboclo e onde todas as pessoas puderam organizar suas barracas e dormir sob o céu do Contestado. Um frio serrano, somado ao calor da acolhida foram os locais ideais para o lançamento da obra "Adeodato: a Redenção" de Nilson Cesar Fraga. O professor, pesquisador sobre o Contestado a mais de 20 anos, lança o terceiro livro da trilogia sobre um intrigante personagem desse movimento, o caboclo Adeodato Leonel Ramos, o Leodato, último líder do conflito, que por décadas foi considerado o próprio demônio pelas narrativas militares do movimento do Contestado. A ideia do autor é familiarizar a figura de um homem destruído pela violência e pela guerra, no limiar entre uma vitima e um bandido, simbolizando um elemento único do Contestado: não há vilões e mocinhos, somente pessoas lutando pelo seu direito de existir diante do governo republicano conservador brasileiro. Há uma simbologia construída nesse ato de lançamento da obra: se busca levar as narrativas do contestado a todas as pessoas, através da linguagem literária e imaginativa. O Contestado pode ser saboreado também pela imaginação, religiosidade, cultura e contação de histórias, como uma narrativa brasileira, trazendo o sofrimento somado a luta e resistência. No segundo dia, o ápice foi a missa cabocla, celebrada pela manhã, com ampla presença da comunidade, juntando elementos tradicionais e a consagração ao monge João Maria, devoção popular não reconhecida pelo catolicismo clerical, mas vista pela comunidade com bons olhos. Essa junção mostra como a ideia de comunhão entre as pessoas é abraçada e comemorada por todos. Além da celebração, o almoço caboclo e o festival da canção fecharam o belíssimo evento. De toda maneira, o que é visto é algo além de um simples acampamento. Se percebe a comunhão de diversas pessoas de várias cidades diferentes que juntas compartilham. Todos que tem e que não tem, como o monge dizia, trocam e dividem experiências, vivencias e entendem o movimento do Contestado como um ato cultural e social de resistência, para além de uma guerra genocida. O conflito bélico é fundamental para compreender o apagamento e busca por uma espécie de limpeza étnica (que se desdobra por décadas após o conflito), porém o Contestado vive e resiste nas pessoas, caboclas, presentes em situações magicas como essa, em que o Contestado não só visto e sentido, mas é também dividido.
Café da manhã caboclo, realizado na chegada de Timbó Grande/SC (Acervo do autor, outubro de 2021).
Professor Nilson Cesar Fraga explanando sobre o "Vale da Morte" e o movimento do Contestado durante o almoço caboclo (Acervo do autor, outubro de 2021).
Lançamento do livro "Adeodato a Redenção" de Nilson Cesar Fraga. (Acervo do autor, outubro de 2021).
MULTICULTURALISMO E FILOSOFIA (Murilo Moraes Júnior)
O multiculturalismo surge como um fenômeno social com a ideia de ‘pluralizar’ a cultura. Etimologicamente, Multi significa pluralidade ou muitos; enquanto que cultural, ou melhor, cultura, advém de criação humana. O multiculturalismo implica falar sobre o jogo das diferenças, cujas regras são definidas nas lutas sociais por atores que, por uma razão ou outra, experimentam o gosto amargo da discriminação e do preconceito no interior das sociedades em que vivem, tendo incidido sobre a necessidade de ressignificação de conceitos como direitos humanos, democracia e cidadania. A discussão sobre do multiculturalismo questiona o conhecimento transmitido nas diversas instâncias produtoras e transmissoras de cultura, identificando etnocentrismos, visões estereotipadas de determinados grupos e buscando aberturas para a incorporação de uma pluralidade de vozes, de formas diversas de se construir e interpretar a realidade. As categorias teóricas do multiculturalismo permitem uma leitura de mundo a partir de procedimentos lógicos inerentes às culturas dominadas, produzindo, assim, um novo conhecimento e, por consequência, uma nova subjetividade descentrada e emancipada de valores supostamente superiores.
JÜRGEN HABERMAS (Fonte: Guia do Estudante abril)
Nesse contexto, o filósofo Habermas, propõe uma teoria da racionalidade e da sociedade que centra as potencialidades utópicas de emancipação nas micro-revoluções do cotidiano e nas aprendizagens sociais de sujeitos, capazes de linguagem e ação, participantes de um mesmo mundo, o qual podem problematizar, tanto para buscar mais conhecimento, para combinar normas de convivência ou para expressar sua subjetividade de forma descentrada. Portanto, é por meio de intervenções concretas no mundo entre sujeitos utilizando corpo e palavra para tais intervenções que se estruturam novas possibilidades de racionalidade e de participação em esferas cada vez mais amplas da cultura, bem como de
participação na esfera pública.
A partir desta constatação, Habermas desenvolveu sua Teoria da ação comunicativa, uma ética do discurso e uma filosofia política, no sentido de uma militância voltada para a busca de consensos que se realizam mediante aprendizagens sociais. É preciso aproximar o local do global pela compreensão e argumentação. Aprender a colocar-se no lugar do outro e cultivar a reciprocidade e a cooperação.
MULTICULTURALISMO NA REGIÃO DO CONTESTADO (Arthur Luiz Peixer e Karoline fin)
Multiculturalismo enquanto teoria não é apenas uma categorização pura e simples que diferencia pessoas e suas origens. É um termo que apresenta historicamente a formação de uma sociedade a partir da miscigenação étnica e das influências de variadas culturas, como é o caso do Brasil. Assim, ele vai para além da formação étnica, buscando entender mais profundamente quais características culturais formaram um determinado povo. Portanto, o multiculturalismo visa entender as bases de formação de uma determinada sociedade, compreendendo seus diferentes grupos sociais e levando em consideração os aspectos de marginalização impostos sobre parte dela, que se desenvolvem a partir de um projeto de centralização do poder.
Desta maneira, o conceito de multiculturalismo amplia os debates sobre os projetos emancipatórios e leva em consideração o reconhecimento da luta contra as diferenças e as desigualdades, buscando construir diálogos relacionados à identidade cultural de diferentes grupos e a sua representatividade na formação de uma sociedade, propondo um novo ideal de cidadania.
Obra do pintor catarinense Willy Alfredo Zumblick (1953) retratando a heroína Maria Rosa (Fonte: appai.org)
Ao elucidar esses elementos, percebemos que no território do Contestado, onde ocorreu uma guerra sangrenta entre 1912 e 1916, há uma disparidade social que é reflexo da ocorrência deste conflito e do modo de vida existente nessa região no final do século XIX e início do século XX. A entrada das empresas estrangeiras, Brazil Railway Co. (responsável pela construção da ferrovia) e da Southern Brazil Lumber & Colonization Co. (madeireira e colonizadora), que tinham como intuito trazer o “progresso” e o “desenvolvimento” aos olhos da economia e do processo de industrialização, somadas ao desmando dos coronéis, característico do período da Primeira República Brasileira (1889-1930), implicou na imposição de um modo de vida completamente diferente do que se tinha nas regiões Meio Oeste catarinense e Sudoeste paranaense.
Esta terra que era habitada já a gerações por indígenas, principalmente das etnias Guarani, Xokleng e Kaigang, pequenos posseiros de origem cabocla, descendentes de combatentes na revolução Farroupilha e Federalista, além dos primeiros imigrantes italianos e alemães, que viviam em sua grande maioria de pequenos roçados, criações e da venda sazonal da erva-mate como meio de subsistência, além de agregados e trabalhadores das grandes fazendas dos coronéis. Toda essa realidade sócio-cultural foi alterada com a chegada das grandes empresas e da “modernização” aparente que elas carregavam consigo.
Percebe-se, analisando a situação da região, que o grande latifúndio e o processo de industrialização levaram ao esmagamento dos modos de vida locais, o que vai, em certa medida, ocasionar o conflito, visto que gera a junção dessas minorias populacionais envoltas de uma religiosidade cabocla messiânica baseada na sobrevivência mútua. Esse aspecto acaba também por criar novos contornos, novos laços culturais caboclos. Entretanto, há que se destacar que ao projeto de industrialização somava-se um projeto colonizador, que atraiu para cá imigrantes, em sua maioria europeus, o que tornou a região ainda mais rica, cultural e etnicamente falando. Cabe destacar também que, para além das imigrações europeias, a região recebeu também nas décadas seguintes imigrantes asiáticos, como é o caso do município de Frei Rogério, berço da comunidade japonesa regional.
Porém, quando analisamos a construção do aspecto multicultural da região do Contestado, o que percebemos é uma valorização maior da imigração européia, vinda de um processo colonizador que expulsou e escanteou as populações locais, oriundas da miscigenação indígena, africana e europeia, os caboclos. Estes, que têm suas principais representações nas camadas mais pobres da sociedade contestada, apesar do silenciamento mantiveram e, em muitos casos resgataram, sua cultura, identidade e religiosidade, sendo o culto aos monges um dos exemplos mais diretos dessa realidade.
Caboclos "vaqueanos" contratados pela Lumber para caçar os revoltosos. (fonte: anovademocracia.com.br)
Essa onda migratória europeia estabelece na região uma hegemonia, visto que as camadas mais ricas da população acabam por controlar o discurso cultural. Estas famílias encaixam o território Contestado no seu status quo, que tem como base os costumes europeus, além de contar com os moldes do capitalismo desenvolvimentista encabeçado pelas indústrias do grupo Farquhar. Estes elementos são em si contrários à realidade em que a região vivia antes do conflito, principalmente no que diz respeito ao uso da terra, esta, que foi arbitrariamente tomada das populações caboclas locais, vai se tornar não mais uma fonte de vida, mas uma fonte de renda, desmatada e desnutrida pelo reflorestamento sistemático da indústria madeireira. Da mesma maneira a cultura regional vai sendo desmantelada, apropriam-se costumes e reformulam-se tradições para que elas sejam cada vez mais brancas e europeizadas, enquanto as populações originárias, que desde antes do conflito já estavam marginalizadas pelo Estado brasileiro, permaneçam escondidas. Um grande exemplo deste processo foi, por exemplo, a mudança do nome da região turística a qual pertencemos, antes Vale do Contestado, hoje, Vale dos Imigrantes.
O multiculturalismo enquanto teoria serve, nesse contexto, para identificar aspectos relativos a compreensão de grupos marginalizados, sendo a sociedade contestada um reflexo do domínio cultural da elite econômica que perdura e apagou das representações culturais da região a figura dos trabalhadores pobres dos campos contestados. Assim como a imigração europeia possui ampla representatividade cultural na região do Contestado, é necessário aceitar a pluralidade existente na mesma, principalmente quanto à identificação e a materialidade da cultura cabocla, retirando da mesma os estigmas que ainda carrega desde à época do guerra, tornando o povo caboclo parte da miscelânea de grupos que formam o sul do Brasil e colaborando na reconstrução da imagem nacional sobre a região do Contestado.
REFERÊNCIAS
AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da Irmandade Cabocla. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1984.
HABERMAS, Jurgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1989.
KRETZMANN, Carolina Giordani. Multiculturalismo e Identidade Cultural: Comunidades Tradicionais e a Proteção do Patrimônio Comum da humanidade. Caxias do Sul, 2007.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 15ª ed, RJ: Forense, 1998, p. 234.
COMO CITAR ESSE ARTIGO:
FIN, Karoline. MORAES JÚNIOR, Murilo. PEIXER, Arthur Luiz. MULTICULTURALISMO NO CONTESTADO. In: Blog EnsinArthur. Disponível em:https://ensinarthur.blogspot.com/2020/07/multiculturalismo-no-contestado.html publicado em: 31 de julho de 2020. Acesso: [informar a data].
Neste ensaio estaremos refletindo as ações das políticas públicas em relação à educação, analisando o primeiro capitulo do livro “Educação e Sociologia” de Emile Durkheim, intitulado “Educação, Sua Natureza e Função”. Ao pensar essas perspectivas, conseguimos analisar quais são os parâmetros que a sociedade deve aprimorar quando se trata de educação. A desmistificação da negativação do papel da política, por exemplo, seria um primeiro passo nessa transformação, para que esta colabore para a ampliação do campo educacional nas escolas, partindo da percepção do público e do objetivo geral da educação. Dessa forma, pretendemos aqui perspectivar, a partir dessas questões, um breve ensaio sobre a construção política da educação no Brasil.
Primeiramente, ao analisar o que é política, Marilena Chauí discute que essa é uma das complexidades que surgem a partir das relações sociais, ou seja, está seria “resultado das mudanças nas formas e no conteúdo do poder” (CHAUÍ, Marilena, 2000, P. 479). Sendo assim, o que temos hoje é uma visão negativa do que seria a política e do que trataria essa transformação. Política trata de reivindicações e possibilidades de melhorias que buscamos em nossa sociedade. Ao pensarmos nas questões educacionais que envolvem esse conceito, também devemos analisar o que é a educação.
Considerando essas questões, devemos elucidar então qual a natureza de ambas as questões, afinal, qual o propósito que temos para a nossa perspectiva educacional? Seria doutrinar e criar seres sociais apenas para se adaptarem ao meio? Ou como educadores, nossa função primordial seria desenvolver neles o senso crítico necessário para questionarem as irregularidades e não se conformarem com o sistema? Esse dualismo, talvez, seja a questão central do propósito inicial da educação e sua finalidade. O problema está que o Estado e a escola não dialogam de forma correta, ou até, nem ocorre esse dialogo, onde no Brasil, desenvolveu-se uma formação onde as ideias são impostas e prontamente aceitas sem questionamentos. Infelizmente, os propósitos não andam de mãos dadas, o que, no fim das contas, colabora para termos a visão negativa do processo político.
Dessa forma, Emile Durkheim colabora para que se pense essa perspectiva, pois, se não temos clareza da sua função, suas políticas e melhorias terão pouca efetividade, resultando em um ensino sucateado, desmotivador (professores e alunos desmotivados) e extremamente burocrático. Se modificarmos nossa percepção sobre a escola, teremos uma melhor visão sobre o que queremos da nossa sociedade.
Após entender qual o propósito, pensamos para quem é direcionada essa educação. Durkheim indaga essa questão: Seria essa educação para todos? Na teoria sim, mas, na prática não é o que acontece. Temos uma escola que privilegia maneiras homogêneas de fazer educação, onde se esquece das individualidades de cada um, ignora seu local de origem, não o fazendo refletir de modo adequado o porquê eles aprendem o que aprendem. O próprio sociólogo cita a ideia de que criamos seres para sociedade, e não como queremos, ou seja, se perde o controle. Mas seria mesmo esse controle o nosso objetivo?
A Escola forma hoje para a vida, ou seja, baseia-se no controle e na repressão dos indivíduos, onde o alto teor burocrático de suas relações faz com que suas reflexões sejam esquecidas e que sejam criadas pessoas adaptáveis, que acabam por deixar-se levar até sua morte pelas convenções sociais. Dessa forma, teremos uma sociedade baseada no consumo e na aquisição, que considera culpado o indivíduo que não se esforça, não entendendo que somos reféns de uma constante exploração econômica e social.
Durkheim coloca que temos uma “consciência moral”, mas que a educação não carrega essa igualdade e moralidade. Temos um currículo escolar que é homogêneo e não pensa nas reflexões sociais dos indivíduos, nas suas peculiaridades do local onde vivem. A problemática desse currículo faz com que a educação tenha caráter seletivo e continue a separar indivíduos pelas oportunidades oferecidas devido as suas condições sociais, aumentando dessa forma, a desigualdade econômica. Não é porque temos uma sociedade baseada no mundo do trabalho que não devemos fazer nossos alunos refletir as diversas questões que surgem dessa relação, mas, admite-se que esse caráter de instrumentalizar de forma adequada os indivíduos é extremamente perigoso para as classes mais dominantes.
Quando Durkheim trata da questão da moralidade dos indivíduos, pensando na função social da educação, podemos associar com as perspectivas do desenvolvimento do termo “política”. O autor aponta que as relações de moralidade surgem a partir das suas vivências em grupo (DURKHEIM, 1955, P. 32), pontuando que a educação busca constituir o ser social. O sociólogo ainda cita que a educação não molda nossos conhecimentos naturais, mas sim, conhecimentos necessários para nossa vida em sociedade. Quanto mais se aprofundam as relações sociais e suas complexidades, o aprendizado se faz cada vez mais necessário (DURKHEIM, 1955, P. 34). Quando se analisa essas perspectivas, temos que analisar, portanto o que falta para fazer esse caminho necessário.
Com o advento das tecnologias de informação do século XXI, temos uma transformação até na forma como os professores estão em sala de aula. Hoje, se compreende que o aluno traz uma bagagem cultural e social para a escola, e está deve ser trabalhada para o indivíduo que não só ensina, mas que faz com que o aluno reflita o conteúdo, isso sendo a mais importante parte do processo. Quando o aluno é convidado a refletir, a sociedade e o meio em que vive de forma constante, aprimorando sua percepção e sua forma de enxergar as coisas. Isso pode ser algo perigoso para o educador, que deve estar preparado para essa situação, mas que não pode fugir, sendo sujeito responsável por criar seres críticos para a sociedade.
Para que essa reflexão ocorra, as políticas públicas da sociedade devem apresentar condições para que isso seja feito. A formação continuada de professores, constante e de qualidade, tem um papel fundamental nesse processo. Educadores melhores preparados trazem indivíduos mais reflexivos e atraídos por um ensino que os privilegia como sujeitos históricos do aprendizado. Outra questão que envolve de forma central os professores é a redução de carga horária. Essa redução traria aulas de melhor qualidade, com professores motivados, que se preocupassem efetivamente com a qualidade de suas aulas e do que eles ensinam.
Contudo, o professor não é inocente nesse processo. Se as modificações devem ocorrer, nós como educadores devemos pensar em buscar a transformação na forma como está hoje, para que esteja melhor no futuro, do contrário, como instigaremos nossos alunos em locais onde eles nem querem estar com educadores que apenas os desanimam? Portanto devemos estar cientes que nosso papel na sociedade é importante, e que se nos mostrarmos ativos mesmo em um ambiente desmotivador, podemos enfrentar e quebrar o processo de desanimo que temos em nossa sociedade atualmente.
Entretanto, somos reféns dos currículos estagnados e aos processos burocráticos. Cabe a nós professores, como bem define ao fim do capitulo analisado do livro de Emile Durkheim, o “sacerdócio”. A questão da missão educacional refere-se à ideia da educação como meio de preparar para a vida, contudo, enfrentamos problemas constantes sobre as relações sociais, e temos inúmeras adversidades na vida educacional. Precisa-se urgentemente de reformas educacionais de caráter estrutural, mas que atribuam valores igualitários entre as disciplinas, e se explique a importância de cada uma ao aluno, afinal, ele vai para escola e muitas vezes nem entende o por que. Devemos pensar a sociedade, questionar a forma que temos hoje, e a esse caráter a educação faz parte.
Quando entendemos as reformas políticas educacionais, percebemos um desdém da sua real importância, se limitando, a saber, “O que você vai ser quando crescer”. Quando pensamos em um currículo que privilegie as políticas públicas, o ensino e o desenvolvimento de uma sociedade devem ir além disso, para que as próximas gerações nos superem, que reflitam as questões sociais e não achem que tudo está como está, e não terá como mudar. Dessa maneira, teremos uma sociedade desvalorizada, desmotivada, baseada no consumo, que se esquece do conhecimento, que confunde as noções de liberdade e autoridade, porque, de toda forma, é muito mais fácil reprimir o indivíduo do que lhe ensinar o que é liberdade.
PARA SABER MAIS:
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A Educação, Sua Natureza e Função In: DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia, trad. Lourenço Filho, 4ª ed. Edições Melhoramentos, São Paulo, 1955. P. 25 a P. 44.
A vida política In: CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia, Editora Ática, São Paulo, 2000. P. 474 a P. 489.
COMO CITAR ESSE ARTIGO:
PEIXER, Arthur Luiz. Ensaio Sobre as Políticas Públicas Para a Educação: Uma Reflexão de Emilé Durkheim e a Sociologia. In: Blog EnsinArthur. Disponível em: http://ensinarthur.blogspot.com/2020/07/ensaio-sobre-as-politicas-publicas-para.html . Publicado em: 17 de julho de 2020. Acesso: [informar a data].
Joaquim José da Silva Xavier é considerado um herói mítico da inconfidência mineira. Tiradentes, como é mais conhecido, foi considerado símbolo do movimento e se tornou figura importante a nível nacional. Entretanto, é dessa forma que se constituem realmente os fatos? Essa provocação inicial visa destacar a seguinte pergunta: ele realmente foi um herói, ou um simples instrumento na mão dos poderosos? Dessa forma, analisaremos o texto presente na obra “Textos Políticos do Brasil” de Paulo Bonavides e Roberto Amaral, intitulado “autos do Depoimento de Tiradentes”, onde analisaremos como se coloca o posicionamento de Joaquim Xavier a partir dos seus relatos.
No mesmo período ocorriam as inconfidências de ordem local no Brasil: Mineira, Baiana e Fluminense. A região das Minas Gerais estava no auge da sua atividade mineradora, a Bahia ainda possuía resquícios da economia açucareira e o Rio de Janeiro estava como a capital da colônia Américo-portuguesa. A partir desse viés, utilizando-se dessas revoltas regionalistas, pode-se colocar que não havia um amplo plano de nação por parte dos inconfidentes mineiros, como na verdade sempre foi colocado historicamente. Dessa forma, a inconfidência mineira, na realidade, é caracterizada por uma revolta extremamente econômica.
Primeiramente, o conceito de liberdade ao qual tratam os inconfidentes, homens ricos e políticos, se tratava em escapar do fisco, ou seja, estarem livre de impostos e obtenção de liberdade política, ou seja, a inconfidência se caracteriza por uma revolta elitista e feita para melhorias de uma classe especifica, tanto que, dos 24 condenados pela inconfidência, 14 tinham 88% da escravaria mineira e eram os mais ricos da região. A questão é que os lideres da época acreditavam que ao dar essa liberdade, geraria revoltas e desordem social.
O projeto de nação ao qual se pensava em possuir, na verdade estava embebido de idéias de uma revitalização dos laços com a coroa portuguesa. Não era interessante para a elite a criação de uma nova nação, afinal, o novo país não teria prestigio suficiente para negociar diretamente com a Inglaterra, considerando que Portugal servia para intermediar diretamente em nome da colônia, e assim o lucro viria de forma mais clara para os homens ricos das Minas Gerais. Dessa forma, fica claro que o projeto de nação não viria a ser uma alternativa plausível para a elite mineira que encabeçava o movimento.
Nesse contexto, o povo surge insatisfeito com os rumos que tomaram a dominação portuguesa, e este desejava a instauração de uma republica sem a interferência de Portugal. Os exageros da coroa geravam insatisfação diante das circunstancia que viviam o povo mineiro. Ao que fica claro nos autos, foi que Tiradentes tomou a frente para as revoltas. Tanto ele como o povo ficou acreditando nas promessas, afinal, a promessa de liberdade era um mecanismo comum do período, principalmente no que tange a escravidão. Os negros escravizados fizeram parte do levante, na promessa dessa libertação.
Joaquim José da Silva Xavier aparece como um protótipo do herói, idealizado através dos séculos como mártir dessa inconfidência dita como nacionalista. À medida que se desenrola o depoimento, percebe-se que Tiradentes aos poucos deixa clara sua intenção real no movimento, o por isso também dele ser colocado como uma vitima da promessa: ele visa uma busca incessante por prestigio, e acaba sendo dominado pelos ideais e ilusões elitistas.
À medida que evolui o depoimento de Tiradentes, percebe-se que ele torna-se contraditório, dando a impressão de que ele espera que algo aconteça. Talvez a intercessão da elite pelo seu herói? O fato, é que ele finalmente cansa de esperar e de mascarar seu depoimento, e dessa forma resolve relatar os fatos. Mas da mesma forma que se apresenta o personagem histórico Tiradentes, ele é cercado de ambigüidades. Torna-se, de certa maneira, complicado definir de fato quem era o Joaquim José da Silva Xavier. Entretanto, pode-se averiguar uma coisa, ele não era um herói de fato.
A historiografia apresenta diversas visões da inconfidência e da figura de Tiradentes. Ela é vista erroneamente como uma nobre luta com ideais que se assemelham a revolução francesa. Consideramos que ela pode ter mascarado como tal. Luis Carlos Vilalta destaca a inconfidência mineira como uma revolta para a manutenção das desigualdades. Basicamente, ela visava o lucro de uma elite, que almejava restabelecer a ligação de mercado com Portugal, e na mesma medida, iludia os mais pobres com a promessa da liberdade e da igualdade. Como mencionado antes, a promessa funciona como um mecanismo do sistema vigente do período, e era extremamente útil no que tange a manutenção das desigualdades.
Keneth Maxwell fala que os homens tinham medo que Tiradentes não soubesse ou não tivesse noção do que era a inconfidência. Afinal, a mesma era feita de elite, que Joaquim não poderia fazer parte, devido ao fato dele ser pobre. Ele destaca também que a ambição dele era grande, e por isso ele não se interessava realmente pela revolução e sim pelos seus benefícios. Esse ponto assemelha-se com o que averiguamos no texto dos autos de seu depoimento. À medida que ele se contradizia, ou até, quando resolveu relatar os fatos, percebe-se na sua fala suas verdadeiras intenções no processo.
Dessa forma, concluímos que o documento permite que façamos uma reflexão mais acentuada sobre a figura de Tiradentes e sobre os contrapontos da inconfidência mineira. Consequência de um sistema social corrupto, e da manutenção das desigualdades, o movimento se desenha de forma diferente as outras grandes revoltas do período (baiana e fluminense) e dessa forma desenha-se como diferente do ideal ao qual realmente era visto.
Sendo assim, também é possível considerar que Tiradentes torna-se uma figura mítica. Sua aparência, sua personalidade, suas intenções, todas seguem com teorias ou idéias abstratas. De toda forma, pode-se perceber que ele não era um herói que se assemelha a figura de Cristo, como foi retratado, mais de um século após a sua morte. As causas desta, inclusive, podem ser um dos motivos do misticismo dele, entretanto, ele se torna exemplo para as pessoas quando suas partes são divididas e expostas nas ruas. O fato, é que no fim das contas ele se torna um dos principais elementos da inconfidência mineira.
PEIXER, Arthur Luiz. Resenha: Análise dos Autos do Depoimento de Tiradentes. In: Blog EnsinArthur. Disponível em: http://ensinarthur.blogspot.com/2020/06/resenha-analise-dos-autos-do-depoimento.html . Publicado em: 17 de julho de 2020. Acesso: [informar a data].
Em 2019 realizei diversas atividades utilizando os mapas mentais como mecanismo de fixação de ideias e assimilação de conhecimentos. Aqui apresento algumas dessas produções feitas por eles. Mapas mentais são uma junção das principais ideias, organizadas em tópicos, figuras, desenhos, etc que podem servir para organizar as ideias. O tema central é colocado no meio (exemplo: Saúde) e depois são colocados conectores para ligar as ideias. este elemento é um ótimo método de estudo, servindo para organizar textos e ampliar a compreensão de determinado conceito.
COMO FAZER MAPAS MENTAIS:
MAPAS MENTAIS SOBRE O BRASIL REPÚBLICA (CLIQUE PARA AMPLIAR):
COMO CITAR ESSE ARTIGO:
PEIXER, Arthur Luiz. Mapas Mentais. In: Blog EnsinArthur. Disponível em: http://ensinarthur.blogspot.com/2020/06/mapas-mentais.html. Publicado em: de 10 julho de 2020. Acesso: [informar a data].