Resenha:
RANDELL, Keith. Lutero e a Reforma Alemã
1517 – 1555. São Paulo, Editora Ática, 1995.
Nesta obra a autora constrói um panorama embasado em uma ótica historiográfica referente à Reforma Luterana ocorrida na Alemanha no século XVI refletindo sobre seus impactos nos reinados alemães e na igreja católica que se obrigou a constituir uma contra reforma, para poder bater de frente com esse novo eixo doutrinário que surgia em 1517. Neste trabalho, portanto, iremos destacar as principais idéias da obra e analisar os conceitos apresentados por Keith Randell. A autora inicialmente discute o termo reforma:
“‘Reforma’ é o conceito inventado pelos historiadores para descrever a sequencia dos fatos que levaram muitos alemães, suíços, escandinavos, holandeses e ingleses a voltar às costas para o catolicismo e se tornar membro das igrejas protestantes independentes”. (P. 5).
A reforma foi uma consequência dos desmandos da igreja católica romana que submetia sua religião. Entretanto, não agradava aos príncipes alemães um comando que estava longe de seus domínios, pois o poder religioso, e acima de tudo, econômico, se encontrava em Roma. O surgimento da reforma favorece a criação de uma independência e concentração religiosa dentro do império alemão. A autora questiona as razões dessa reforma a partir desse viés, observando a questão não somente pela independência doutrinaria, mas também através da comodidade que isso trazia para os reinos germânicos. O protestantismo não centra-se somente em Martinho Lutero, um personagem bastante conhecido pela criação da doutrina Luterana, mas a uma série de questões que envolvem a sociedade e a ordem econômica dos reinos alemães.
Um dos alicerces das pregações de Lutero estava pautado nas 95 teses que regiam a sua doutrina. Um dos pilares da sua revolta foi as indulgencias que a igreja católica cobrava para expurgar os pecados, pois em sua visão, não deveria haver dinheiro e somente a fé e o perdão. Ele também constrói criticas a reclusão feita pelos padres imposta pelo catolicismo, afinal, eles se deitavam com as mulheres da mesma forma. Na verdade, para ele o interesse acima de tudo pautava-se na fé. A igreja católica não ficou silenciada pelos protestos de Lutero, tanto que, Alberto de Brandenburgo, arcebispo, solicitou junto ao papa para que o calassem:
“Decidiu-se que Lutero seria tratado pela estrutura da ordem dos monges agostinianos a que pertencia. Em abril de 1518 ele assistiu a convenção trienal da ordem e tentou justificar as suas ações. Sua postura foi apoiada de modo geral, para grande embaraço do papa Leão, que decidiu então tomar o caso em suas próprias mãos. Lutero foi enviado a Roma. Recusou-se. Para persuadi-lo a voltar à razão, foi enviado a Alemanha o cardeal Caetano, representante do papa. O cardeal intimou a Lutero a ir a seu encontro em outubro de 1518 em Augsburgo e por vários dias tentou convencê-lo de seus erros. O que havia começado com um exercício brando da razão rapidamente deteriorou em uma tentativa de coagir Lutero por ameaças.” (P. 31).
Dessa maneira Lutero manteve-se firme perante suas ideologias e concepções. Entretanto, ele quase foi condenado à heresia pela igreja católica. Mas o fato é que Frederico, da Saxônia, local onde vivia Martinho, admirava o mesmo, e este era um local com pouca influencia católica. Entretanto, ele não era soberano no território alemão, tinha de se submeter ao imperador e aos demais príncipes. Por Isso foi submetido a dieta de Whorms, uma espécie de parlamento onde os príncipes e os representantes de cidades alemãs se reunião com o imperador. Frederico julgava providencial que Carlos V ouvisse Lutero, pois as decisões de fora não seriam tão aceitas quanto às tomadas pelos príncipes. Tornou-se providencial em favor dele o apoio de Frederico, fazendo com que sua ideologia se torne a doutrina oficial do império. Isso possibilitou que ele se tornasse um ícone no território alemão, um teólogo de renome internacional, como coloca Randell. Ele foi responsável por levar ao povo publicações em alemão, em linguagem mais simplificada para que todos pudessem ter acesso, alem de trazer a bíblia em alemão, a qual a sua primeira tradução deu de presente a Frederico da Saxônia. Antes visto como reformador, agora como revolucionário, com suas pregações fervorosas com interpretações da bíblia e sermões.
As reformas representaram um bom exemplo da resistência aos desmandos da igreja católica. Ao perceber que estaria perdendo fatia de seu domínio, a igreja católica tenta calar Lutero, em vão, ainda mais após a união do império alemão em prol da doutrina luterana, que possuía políticas mais liberais, como a livre interpretação da bíblia, a liberdade dos pastores da igreja não possuírem celibato, alem do fato de ser uma religião acessível, devido ao esforço de Lutero para disseminar a religião com suas publicações para todos, incluindo as crianças. Quanto mais luteranos surgiam, mas tornava-se necessário estruturar as bases do culto luteranismo. A celebração parte importante, tanto que em 1526, Martinho publica sua primeira versão da missa em alemão, a fim de atrair fieis e tornar popular sua doutrina. Outro fator fundamental da celebração católica era a eucaristia, chegou a conclusão que a “ideia de eucaristia como veiculo de graça era uma perversão dos objetivos de Deus”. A celebração central do catolicismo realmente havia se tornado vulgar, em certa medida que para aquisição do perdão se cobrava pela salvação, mas não eximiu a importância da mesma, sabendo que os valores se perderam, considerando que a celebração era fundamental para o processo de reflexão da bíblia. Portanto, o objetivo era resgatar esses valores e constituir o culto luterano.
A autora da ênfase na presença dos cavaleiros imperiais alemães, que diferente de uma monarquia formada em um pais, unificada, ela se reunia somente quando os interesses do imperador e dos reinados eram solicitados. Não se tratava de um exercito único e exclusivo para o império, mas que quando solicitado atendia ao interesse do mesmo. Outro ponto que autora destaca na obra, e que foi de preocupação de Lutero foi o líder da igreja. Isso mostra mais um pouco da força política que exerceu a doutrina. Isto se deve ao fato da autoridade ter ficado em mão dos príncipes locais, ou seja, união do líder de governo com o líder espiritual, algo que o incomodava, mas que na mesma proporção tornava-se interessante, considerando que isso auxiliava na afirmação da doutrina Luterana. Sendo assim, a igreja não se estruturava semelhante a católica, com padres e bispos, mas com o líder regional e político, extremamente interessante para os príncipes alemães que agora alem de sua autoridade regional, possuíam o controle religioso da população, e com os pastores que pregavam nos cultos.
Embora a obra trata-se da reforma alemã, reservou um capitulo para Zwigli. O responsável por modificar a doutrina da suíça, fazendo com que a mesma se libertasse da influencia católica romana também. Sua doutrina se assemelha a de Lutero, e a autora até disserta porque Lutero é conhecido e Zwigli não. Ela destaca que um dos motivos foi o protestante suíço ter morrido no auge da disseminação da sua doutrina. Além disso destacou a personalidade mais fechada do que a de Lutero, que conseguiu cativar os lideres para fizessem parte de sua doutrina, alem de divulgar suas publicações em larga escala, diferente de Zwigli que produziu. Entretanto a autora coloca o reformador de Zurique como um personagem atraente da história pela sua inteligência em implantar uma nova doutrina religiosa assemelhando-se ao que pensava Lutero, sem que houvesse um derramamento de sangue. Randell coloca Zwigli como mais notório que Lutero ao dizer que se Martinho já não fosse uma figura nacional, sua doutrina se disseminaria por toda a Europa. Entretanto, sua forma de agir não teria tanta repercussão, afinal, Lutero procurou divulgar ao extremo suas concepções religiosas, enquanto que zwigli se ateve ao divulgar em Zurique. O sucesso que atingiu Lutero se deve a sua extrema vitalidade discursiva além de seu carisma, destacado por Randell.
O que foi um marco do inicio do fim da reforma foi a paz de augsburgo, concedida após uma década da morte de Lutero e dos fracassos de Carlos V, cruciais para o enfraquecimento do seu poder (principalmente no período de 1547 – 1555) onde ele deixou escapar a chance de sobrepor a sua vontade religiosa católica, pois embora apoiasse o luteranismo, era por pressão dos príncipes alemães que o fazia. A paz de Augsburgo, portanto, nada mais é do que a livre escolha doutrinaria. Cada qual poderia seguir sua religião. Isso foi um repouso, diga-se um meio da reforma, onde ela cessou por um tempo, mas seria reacendida por Jean Calvino.
Sendo assim, a obra é critica e trabalha de forma bem ampla todo o panorama da reforma alemã. Foi um marco para as mudanças sociais no século XVI, possibilitando uma independência doutrinaria uma forma de abdicar a igreja católica que estava no ermo de sua tirania com as indulgencia e a corrupção que se apresentava para os padres. A reforma possibilitou ainda que a igreja católica revisse seus conceitos no concilio de Trento em 1563, onde houve as maiores reformas dogmáticas da igreja católica na história, para ir de encontro com a reforma protestante. Portanto possibilitou um ajuste ecumênico, mais opções religiosas para o povo, alem de com a paz de augsburgo, construída somente devido a novas opções religiosas que surgiram, concebendo a livre escolha religiosa. A obra se pauta muito bem nos conceitos criando amarrações precisas para o desenvolvimento da analise historiográfica do contexto que se apresentou no período.
COMO CITAR ESSE ARTIGO:
PEIXER, Arthur Luiz. Resenha: Lutero e a Reforma Alemã - Keith Randell. In: Blog EnsinArthur. Disponível em: http://ensinarthur.blogspot.com/2020/06/resenha-lutero-e-reforma-alema-keith.html . Publicado em: 03 de julho de 2020. Acesso: [informar a data].
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