sexta-feira, 12 de novembro de 2021

V ACAMPAMENTO CABOCLO DO CONTESTADO: TIMBO GRANDE/SC

     Viver na região do Contestado e respirar a História do conflito é um modo de entender como no tempo presente o movimento sertanejo não desapareceu. Diante dessa constatação, deve-se compreender que a Guerra ocorrida durante o período republicano, precisamente entre 1912 e 1916 nada mais é do que um movimento de resistência que reverberou de uma cultura cabocla do compartilhamento e doação mutua entre as pessoas.
    Por isso, diversas ocasiões nessa região demonstram o papel popular e caboclo que possui o movimento sertanejo do Contestado. E mais: é possível ainda perceber as reverberações das vivências da religiosidade cabocla nos rincões mais afastados desses locais. O acampamento caboclo na acolhedora Timbó Grande/SC, cidade de pouco mais de 7 mil habitantes (segundo dados do governo do Estado de Santa Catarina) é um desses momentos.
    A cidade é próxima ao conhecido "Vale da Morte", local onde ficava o reduto de Santa Maria, palco de uma das mais violentas chacinas praticadas pelo governo brasileiro durante o conflito, que causou a destruição de cerca de 5000 casas. O emblemático vale é o ponto de partida das atividades do evento, com a caminhada Jorge Mattoso. foram 10 km de caminhada por morros, caminhos fechados pela mata e pelo alto do Vale, que permitia obter uma bela vista da cidade de Timbó Grande.


Vista do "Vale da Morte", local onde ficava o reduto de Santa Maria. (Acervo do autor, outubro de 2021).

Vista do morro da Antena, a cidade de Timbó Grande/SC está ao fundo. (Acervo do autor, outubro de 2021).

    A sensação de vivenciar a Guerra do Contestado e seus sítios Históricos é indescritível. Olhar para um local e imaginar tudo que aconteceu e perceber como isso impactou naquele local é instigante e intrigante. Além de todo processo de ver e sentir o fato Histórico, a reverberação cultural era presente. Comidas caboclas, acolhimento coletivo e respeito entre todos os indivíduos são a marca registrada do evento, que não cobrou nenhum centavo por toda comida compartilhada.

    O acampamento se aglutina no rancho do Cafu, cerca de 5 km do centro da cidade de Timbó Grande. Lá, foram realizadas apresentações culturais, jantar e café caboclo e onde todas as pessoas puderam organizar suas barracas e dormir sob o céu do Contestado. Um frio serrano, somado ao calor da acolhida foram os locais ideais para o lançamento da obra "Adeodato: a Redenção" de Nilson Cesar Fraga. 
    O professor, pesquisador sobre o Contestado a mais de 20 anos, lança o terceiro livro da trilogia sobre um intrigante personagem desse movimento, o caboclo Adeodato Leonel Ramos, o Leodato, último líder do conflito, que por décadas foi considerado o próprio demônio pelas narrativas militares do movimento do Contestado. A ideia do autor é familiarizar a figura de um homem destruído pela violência e pela guerra, no limiar entre uma vitima e um bandido, simbolizando um elemento único do Contestado: não há vilões e mocinhos, somente pessoas lutando pelo seu direito de existir diante do governo republicano conservador brasileiro.
    Há uma simbologia construída nesse ato de lançamento da obra: se busca levar as narrativas do contestado a todas as pessoas, através da linguagem literária e imaginativa. O Contestado pode ser saboreado também pela imaginação, religiosidade, cultura e contação de histórias, como uma narrativa brasileira, trazendo o sofrimento somado a luta e resistência. 
    No segundo dia, o ápice foi a missa cabocla, celebrada pela manhã, com ampla presença da comunidade, juntando elementos tradicionais e a consagração ao monge João Maria, devoção popular não reconhecida pelo catolicismo clerical, mas vista pela comunidade com bons olhos. Essa junção mostra como a ideia de comunhão entre as pessoas é abraçada e comemorada por todos. Além da celebração, o almoço caboclo e o festival da canção fecharam o belíssimo evento.
    De toda maneira, o que é visto é algo além de um simples acampamento. Se percebe a comunhão de diversas pessoas de várias cidades diferentes que juntas compartilham. Todos que tem e que não tem, como o monge dizia, trocam e dividem experiências, vivencias e entendem o movimento do Contestado como um ato cultural e social de resistência, para além de uma guerra genocida. O conflito bélico é fundamental para compreender o apagamento e busca por uma espécie de limpeza étnica (que se desdobra por décadas após o conflito), porém o Contestado vive e resiste nas pessoas, caboclas, presentes em situações magicas como essa, em que o Contestado não só visto e sentido, mas é também dividido.


Café da manhã caboclo, realizado na chegada de Timbó Grande/SC (Acervo do autor, outubro de 2021).

Professor Nilson Cesar Fraga explanando sobre o "Vale da Morte" e o movimento do Contestado durante o almoço caboclo (Acervo do autor, outubro de 2021).

Lançamento do livro "Adeodato a Redenção" de Nilson Cesar Fraga. (Acervo do autor, outubro de 2021).


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