sexta-feira, 17 de julho de 2020

RESENHA: ANÁLISE DOS AUTOS DO DEPOIMENTO DE TIRADENTES

    Joaquim José da Silva Xavier é considerado um herói mítico da inconfidência mineira. Tiradentes, como é mais conhecido, foi considerado símbolo do movimento e se tornou figura importante a nível nacional. Entretanto, é dessa forma que se constituem realmente os fatos? Essa provocação inicial visa destacar a seguinte pergunta: ele realmente foi um herói, ou um simples instrumento na mão dos poderosos? Dessa forma, analisaremos o texto presente na obra “Textos Políticos do Brasil” de Paulo Bonavides e Roberto Amaral, intitulado “autos do Depoimento de Tiradentes”, onde analisaremos como se coloca o posicionamento de Joaquim Xavier a partir dos seus relatos. 

    No mesmo período ocorriam as inconfidências de ordem local no Brasil: Mineira, Baiana e Fluminense. A região das Minas Gerais estava no auge da sua atividade mineradora, a Bahia ainda possuía resquícios da economia açucareira e o Rio de Janeiro estava como a capital da colônia Américo-portuguesa. A partir desse viés, utilizando-se dessas revoltas regionalistas, pode-se colocar que não havia um amplo plano de nação por parte dos inconfidentes mineiros, como na verdade sempre foi colocado historicamente. Dessa forma, a inconfidência mineira, na realidade, é caracterizada por uma revolta extremamente econômica. 

    Primeiramente, o conceito de liberdade ao qual tratam os inconfidentes, homens ricos e políticos, se tratava em escapar do fisco, ou seja, estarem livre de impostos e obtenção de liberdade política, ou seja, a inconfidência se caracteriza por uma revolta elitista e feita para melhorias de uma classe especifica, tanto que, dos 24 condenados pela inconfidência, 14 tinham 88% da escravaria mineira e eram os mais ricos da região. A questão é que os lideres da época acreditavam que ao dar essa liberdade, geraria revoltas e desordem social. 

    O projeto de nação ao qual se pensava em possuir, na verdade estava embebido de idéias de uma revitalização dos laços com a coroa portuguesa. Não era interessante para a elite a criação de uma nova nação, afinal, o novo país não teria prestigio suficiente para negociar diretamente com a Inglaterra, considerando que Portugal servia para intermediar diretamente em nome da colônia, e assim o lucro viria de forma mais clara para os homens ricos das Minas Gerais. Dessa forma, fica claro que o projeto de nação não viria a ser uma alternativa plausível para a elite mineira que encabeçava o movimento. 

    Nesse contexto, o povo surge insatisfeito com os rumos que tomaram a dominação portuguesa, e este desejava a instauração de uma republica sem a interferência de Portugal. Os exageros da coroa geravam insatisfação diante das circunstancia que viviam o povo mineiro. Ao que fica claro nos autos, foi que Tiradentes tomou a frente para as revoltas. Tanto ele como o povo ficou acreditando nas promessas, afinal, a promessa de liberdade era um mecanismo comum do período, principalmente no que tange a escravidão. Os negros escravizados fizeram parte do levante, na promessa dessa libertação. 

    Joaquim José da Silva Xavier aparece como um protótipo do herói, idealizado através dos séculos como mártir dessa inconfidência dita como nacionalista. À medida que se desenrola o depoimento, percebe-se que Tiradentes aos poucos deixa clara sua intenção real no movimento, o por isso também dele ser colocado como uma vitima da promessa: ele visa uma busca incessante por prestigio, e acaba sendo dominado pelos ideais e ilusões elitistas. 

    À medida que evolui o depoimento de Tiradentes, percebe-se que ele torna-se contraditório, dando a impressão de que ele espera que algo aconteça. Talvez a intercessão da elite pelo seu herói? O fato, é que ele finalmente cansa de esperar e de mascarar seu depoimento, e dessa forma resolve relatar os fatos. Mas da mesma forma que se apresenta o personagem histórico Tiradentes, ele é cercado de ambigüidades. Torna-se, de certa maneira, complicado definir de fato quem era o Joaquim José da Silva Xavier. Entretanto, pode-se averiguar uma coisa, ele não era um herói de fato. 

    A historiografia apresenta diversas visões da inconfidência e da figura de Tiradentes. Ela é vista erroneamente como uma nobre luta com ideais que se assemelham a revolução francesa. Consideramos que ela pode ter mascarado como tal. Luis Carlos Vilalta destaca a inconfidência mineira como uma revolta para a manutenção das desigualdades. Basicamente, ela visava o lucro de uma elite, que almejava restabelecer a ligação de mercado com Portugal, e na mesma medida, iludia os mais pobres com a promessa da liberdade e da igualdade. Como mencionado antes, a promessa funciona como um mecanismo do sistema vigente do período, e era extremamente útil no que tange a manutenção das desigualdades. 

    Keneth Maxwell fala que os homens tinham medo que Tiradentes não soubesse ou não tivesse noção do que era a inconfidência. Afinal, a mesma era feita de elite, que Joaquim não poderia fazer parte, devido ao fato dele ser pobre. Ele destaca também que a ambição dele era grande, e por isso ele não se interessava realmente pela revolução e sim pelos seus benefícios. Esse ponto assemelha-se com o que averiguamos no texto dos autos de seu depoimento. À medida que ele se contradizia, ou até, quando resolveu relatar os fatos, percebe-se na sua fala suas verdadeiras intenções no processo. 

    Dessa forma, concluímos que o documento permite que façamos uma reflexão mais acentuada sobre a figura de Tiradentes e sobre os contrapontos da inconfidência mineira. Consequência de um sistema social corrupto, e da manutenção das desigualdades, o movimento se desenha de forma diferente as outras grandes revoltas do período (baiana e fluminense) e dessa forma desenha-se como diferente do ideal ao qual realmente era visto. 

    Sendo assim, também é possível considerar que Tiradentes torna-se uma figura mítica. Sua aparência, sua personalidade, suas intenções, todas seguem com teorias ou idéias abstratas. De toda forma, pode-se perceber que ele não era um herói que se assemelha a figura de Cristo, como foi retratado, mais de um século após a sua morte. As causas desta, inclusive, podem ser um dos motivos do misticismo dele, entretanto, ele se torna exemplo para as pessoas quando suas partes são divididas e expostas nas ruas. O fato, é que no fim das contas ele se torna um dos principais elementos da inconfidência mineira.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



PARA ENTENDER MAIS:



COMO CITAR ESSE ARTIGO:
PEIXER, Arthur Luiz. Resenha: Análise dos Autos do Depoimento de Tiradentes. In: Blog EnsinArthur. Disponível em: http://ensinarthur.blogspot.com/2020/06/resenha-analise-dos-autos-do-depoimento.html . Publicado em: 17 de julho de 2020. Acesso: [informar a data].

Um comentário:

  1. Prof., há anos num livro antigo a íntegra da Devassa, com todas as perguntas e as respostas dadas pelo Tiradentes. Dali tirei minha conclusão de que ele não era nada desse herói de que tratam os livros oficiais. Lembro que, ao ser perguntado sobre o movimento, ele respondeu que jamais compactuaria "com tamanha asneira", sempre respondeu que não tinha nada a ver com aquilo etc.
    Não tive mais acesso àquele livro e, por mais que tenha procurado, não consegui mais acessar aos Autos da Devassa, para reler.

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